1.6.10

Diálogos de Graça, o Conselho está Incluso

– Você não dá muita importância à vida, dá?
– Na verdade, não.
– Eu era como você na sua idade. Podia morrer a qualquer minuto. Pouco me importava. É por isso que os jovens dão os melhores mártires e as melhores histórias. É muito louco, mas acontece, quando envelhecemos é que nos apegamos à vida. Quando começamos a subtrair: me restam 20 anos, 15 anos, 10. Quando sabemos que é a última vez que fazemos alguma coisa. É a última vez que compro um carro, a última vez que viajo, última vez isso, última vez aquilo.
– Aí você pensa que teria feito muita coisa diferente?
– Penso. Não queria estar sofrendo como hoje. Mas eu sabia que as minhas decisões iriam me trazer exatamente aqui.
– Posso morrer a qualquer momento, sabia?
– Sente medo?
– Claro que sim. Não quero deixar a vida. Não pode imaginar como a amei.
– E o que tanto amou?
–Tudo. Desde vinho, os livros, a música, até cheiros, pele, minha esposa...
– E as pessoas?
– Com o tempo, começam a se parecerem umas com as outras. Mas nunca me cansei delas. Ações e decisões iguais, mesmos erros, mesmos dilemas, mesmos desejos, mas todos valeram a pena. Até meus inimigos que nunca souberam que eram meus inimigos.
– Continua um sedutor? Não. Com a idade não é mais a mesma coisa. Fiquei careca e narigudo.
– Mas ainda pode beber vinho.
– Infelizmente meu fígado não permite mais.
– E as viagens que queria fazer, você fez?
– Não, tenho medo de avião. Mas sem problemas, hoje em dia, há turistas demais em toda parte.
– Não é sua vida atual que você não quer deixar. É a sua vida passada. E essa já está morta.

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