19.5.10

A Garota Malvada e o Jornal Lido

“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.” (Carlos Drummond de Andrade)

A juventude não é para sempre. As decisões que se tomam nessa época, por menores que sejam, certamente cobrarão seu preço. A Garota Malvada ainda não se deu conta disso. E assim, ela continua sua busca por um sentido na banca de revistas.
Um jornal por semana. Jornal velho, jornal novo, jornal diferente, jornal evangélico, jornal de esportes, jornal internacional, jornal estadual, jornal profissional, jornal local e principalmente jornal lido. Lendo e relendo.
Jornal lido... As idas e vindas ao jornal lido, ou seja, estar e depois não estar, só mostra que as diferenças são explícitas, que há ciúmes e falta de confiança. Esses são ingredientes que minam a estabilidade de qualquer união. Só sofrimento na re-leitura. Ir e voltar tem a ver com falta de sintonia e muita idealização, por imaginar que o outro mudará, quando, na realidade, já se sabe que não é bem assim – muito pelo contrário. Quando a magia acaba, o inferno da acomodação aparece. Idas e vindas é imaturidade, é insegurança, é imaterial é não confiar em si mesmo.
Mas o que a Garota Malvada também não sabe é que ter dificuldade de se manter num relacionamento formal a um jornal, não é só privilégio dela. Isso tudo devido a uma palavrinha que não se encontra em qualquer banca: empatia. Empatia é um elemento primordial para a duração de relacionamentos. Para entender isso, a Garota Malvada deveria mesmo era consultar um livro de mitologia:

“Eros, o deus do amor. Eros tem duplo caráter, num momento era força perniciosa que provocava a ruína dos homens e, em outro, o poder que levava a virtude e a salvação aos homens. Assim, fazendo uma analogia idiota, as relações amorosas são esse jogo de contraste, em que muitas vezes de um sentimento saudável e construtivo, o amor passa a destrutivo, ao passo que patológico.“

Mas, não é em qualquer jornal, e muito menos no que já foi lido, que se encontrará uma definição de amor duradouro: afeição, preocupação, intimidade, compreensão mútua, dar e receber apoio, companheirismo, comunicação através da simples troca de olhares. Não é indo à banca de revista toda semana que se entra em um estado de intensa ligação com outra pessoa. Porque do fogo ardente da paixão, o amor passa necessariamente ao calor ameno do afeto cheio de dificuldades.
Com toda a pressão do dia-a-dia, os conflitos tornam-se inevitáveis. E aí ninguém ensina que a qualidade da comunicação e a intimidade são indispensáveis nesses momentos. Você leu superficialmente e se ferrou!
Se apaixonar por um só, ter uma relação com alguém, requer envolvimento, cuidado, atenção e respeito aos sentimentos da outra pessoa. Tudo é questão de conteúdo.
Mas a Garota Malvada continua persistindo no seu erro. Ela não é totalmente feliz. Mas repete a sua história. Lê jornais superficiais que não correspondem às suas expectativas, e sempre está em busca no mercado por um artigo melhor. O que ela esquece é que assim ela vai virando coluna de vários, vários outros jornais, torna-se figurinha carimbada.
Um jornal novo só alivia o sofrimento mas não cura a causa.
A facilidade do rompimento conjugal, a liberdade sexual, a mudança de papéis na sociedade tanto de homens e mulheres e toda uma influência criaram idéias de felicidade por meios descartáveis.
O amor, que já foi admitido em algum jornal como a força capaz de unir as pessoas, tem de competir com a rotatividade e a descartabilidade do mundo contemporâneo. E nisso, muitas qualidades, dentre as quais se destaca a empatia já citada, são colocadas em segundo plano, já que ouvir, compreender e procurar entender os sentimentos de uma outra pessoa são tarefas árduas que requerem disposição, entrega, envolvimento e não só prazer.
A possibilidade de trocar de jornal a qualquer momento, a falta de compromisso, a falta de respeito e a falta de vergonha, fizeram o incerto ajudar na instabilidade dos relacionamentos modernos. Hoje não se lê mais um olho no olho, a sinceridade de uma palavra amável, ou o calor real de uma relação duradoura.
A Garota Malvada só fica com o calor dos jornais queimados. Ela queria um romance de cinema e tem conseguido, pois geralmente suas relações duram pouco mais que duas horas.

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