Se ele nunca aprova seu corte de cabelo; tem vergonha dos seus gostos; trata o seu conhecimento como inferior, inclusive publicamente; mostra, a todo momento, o quanto você é fútil, desnecessária e está muito aquém da suposta erudição dele (sutilmente – o mais monstruoso e covarde!); despreza os seus amigos como se só ele fosse capaz de fazer boas escolhas; rejeita britanicamente a sua família, que ele tão pouco conhece; faz com que você tenha vergonha de gostar de coisas que você adora; aduba preconceitos que você não tinha; desperta o pior em você a cada dia, como quem bondosamente a ensina a ser superior.
Se ele a manipula, fazendo passar por amor o (imenso) medo que tem de ficar só; te valoriza apenas quando isso se converte em status ou benefícios – que ele, ao contrário do que pensa, jamais conseguiria da forma como você consegue.
Se ele a incentiva a abandonar sonhos; trata suas prioridades como grandes bobagens; aduba seus sentimentos com citações, músicas e mimos que pertenceram a tantas outras; acha que apenas as neuroses cretinas dele são válidas; só aprecia as pseudogeniais descobertas e constatações que ele faz; faz a linha modesto e humilde, mas enche a casa de referências pedantes e experiências medíocres.
Se ele tem ciúmes não de você, mas da possibilidade de que você descubra – por seus amigos, seus discos, seus livros, suas roupas, suas visitas à feirinha de sábado, suas ilustrações, suas fotografias, seus filmes favoritos, suas sacadas geniais e mais todas as possibilidades incríveis das quais você abre mão para agradá-lo – que ele é um enorme, imenso, gigantesco e interplanetário babaca, e que tem tanto cara legal por aí que te faria feliz sem essa dependência doentia na qual ele te prendeu; se ele trata com desdém tudo o que tanta gente acha tão fabuloso e mágico em você.
Mas é você que está sempre ali, esperando quando a porta abre, emoldurando em ouro os dias, fazendo canja quente durante a temporada de gripe, relativizando problemas, rindo de cada mínima paranoia tão dura, tão ofensiva – e apenas você, tão-somente você, porque todo o resto já caiu fora desse idiota.
Seu lugar é acima, muito acima, mas, como um pardal, aí está você: ao alcance, rifando sua autoestima enquanto ele covardemente busca esconder seu brilho.”
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